Conto Sinistro 06: O Reflexo

Saudações Sinistros...
Hoje trago mais um conto.
Então, sentem-se, apurem seus sentidos, pois a história já vai começar!

O Reflexo



Por diversas vezes me peguei falando comigo mesmo, ou pegaram-me, perguntando a quem falava ou diretamente tachando-me de louco. Nunca me importei verdadeiramente com tais denúncias; sabia que não era, isso bastava.

Em uma de minhas conversas, deparei com minha imagem no espelho e discuti assuntos diversos como sempre, não me convém falar sobre eles agora. Enquanto discutia, percebi as diferentes expressões que era capaz de fazer, mesmo sem percebe-las. Às vezes, nem mesmo sentia fazendo-as.

Numa discussão interminável, sozinho no espelho do banheiro, ouvi um breve “não” quando referi-me minha opinião sobre tal coisa. Não havia de ser coisa da cabeça, foi muito nítido e deveras estrondoso para que qualquer surdo compreendesse e se calasse. Fui olhar o restante da casa, inutilmente.

Voltei ao espelho e continuei, até que estagnei; digo, não eu, mas sim meu reflexo. Eu continuava a falar, a argumentar e ele parou e ficou a me encarar. Parei também, mas fazendo alguns movimentos para ver se me acompanhava. Não acompanhou. Estremeci de medo e ouvi:

“- Já acabou?”
Vendo que talvez fosse uma manifestação de meu cérebro para me fazer ter uma conversa mais justa, mesmo que comigo mesmo, poderia ser dois e opinar por ambos os lados. Agradeci a mim e aos céus por me darem tal habilidade; dividir-me em dois apenas para opinar de diferentes lados, sem opiniões terceiras.

Voltei firme ao espelho e respondi-lhe que não; continuei argumentando e ele ouvindo-me. Ao fim, ele nada disse, apenas saiu de minha visão. Meu reflexo havia saído do espelho, mas não de dentro dele, ainda estava lá, apenas fora de onde eu poderia vê-lo. Perguntei-me se demoraria a voltar; provável. Escovei os dentes sem reflexo do espelho, vi graça. Alguns ficariam aterrorizados, certamente, mas eu soube receber a dádiva de braços abertos e via graça agora, que ele brincava e tentava intimidar-me.

Fui deitar, sem conseguir ver meu reflexo em nada que pudesse me refletir. Amanhã ele retorna, pensei. Bela noite de sono. Na manhã seguinte, acordei de pé. Mais exatamente em frente ao espelho.
“Retornastes, então!”

“- O bom filho, à casa torna”
“- Certamente”
Não percebia que me movimentava, mas arrumei os cabelos, sobrancelhas e dei um sorriso delicioso. Pronto para um novo dia. A sensação devia dar-se por conta da emoção do dia anterior, ainda não esquecida.
O reflexo:

“- Bom, vou-me indo”
” -Para onde?”
“- Trabalhar, de certo. Volto no mesmo horário de sempre”
“- Mas o quê…”

Segui-o até a borda do espelho; não passei, não podia. Do lado de dentro do espelho era escuro e vazio, nada existia lá, não havia luz para refletir. Aconselho-te a não discutir sozinho, ou não consigo mesmo. Pode ser que não venhas a entrar em acordo. Se trocamos de lugar, ele pelo menos não teve mais reflexo, nunca mais haveria de sair da escuridão e do vazio do lado do espelho que você não pode ver.

Por: Eduarda Gabriele